Ressonâncias de ressonâncias
Relato do curador Alexandre Freitas sobre o RESSONÂNCIAS: ciclos de debates sobre sons e imagens realizado entre os dias 06 e 10 de março de 2018 no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc SP. A Colchete colaborou na produção do evento, que contou com o apoio do Institut Français du Brésil / Consulado Geral da França.

Cinco dias a pensar e a tecer encontros entre sons e imagens... Buscamos, como vagalumes, dispersar discretas luzes em um cenário ofuscante de forças políticas, midiáticas e publicitárias. Os vagalumes apocalípticos (como os de Pasolini) resistem (como os de Didi-Huberman). E suas luzes, embora discretas, dispersam-se potentes e sutis. O pontilhismo luminoso dos vagalumes, na confluência dos sentidos, é também pontilhismo musical: luzes-sons. São capazes até mesmo de produzir estrondos, mas não querem ganhar no grito. Quando silenciadas, esperam, com altivez, sua hora de brilhar-sonorizar.
Ressonâncias: ciclo de debates entre sons e imagens se deu como ponto de luz-som, nutrido pela escuta do mundo e pela “vontade da arte” (Kunstwollen).
A abertura do curso foi feita por Jean-Yves Bosseur, artista, escritor e pesquisador. Sergio Basbaum o descreveu como alguém que voltou seus olhares à clandestinidade. Interessou-se pelos artistas que, ao longo da modernidade, ergueram pontes, quando a regra era manter-se em seus espaços. Na contemporaneidade, elos interartísticos firmam-se e com eles novas modalidades artísticas, amparadas por novas e velhas mídias. E Jean-Yves permanece firme, forjando suas poéticas, com todo o aparato histórico que ele conhece como ninguém e que, gentilmente, divide conosco.
Firme também foi Hanslick, defensor da autonomia da música no século XIX, sobre o qual falou Mário Videira em Ressonâncias. Opondo-se às pretensões agregadoras e imagéticas de Wagner e Liszt, o crítico defendeu com vigor que há, na música, um único conteúdo: suas formas sonoras em movimento. Quem sabe, porém, o crítico e os criticados não teriam razão? Uma resposta talvez resida no paroxismo: artes tão singulares quanto plurais, essencialmente autônomas e interdependentes. Os poderes órficos, mencionados por Lia Tomás, transpassam ouvidos, ou melhor, nos faz todo ouvidos. Todo olhos, todo pele?
Na concretude da experiência, a conjunção das artes deixa de ser uma idealização romântica para impor-se como realidade palpável (audível, visível), com o aval tanto da fenomenologia quanto da neurociência. Quando penetramos o Lumina para órgão, de Ligeti, com a ajuda de Yara Caznok, não o fazemos só com os ouvidos. A percepção sinestética é a regra!, disse Merleau-Ponty. Yara nos guia, carinhosamente, por entre formas visuais-sonoras-táteis e, assim, vivenciamos a integralidade da percepção proclamada pelo fenomenólogo francês. Nesse embalo, não fica difícil “dançar com os olhos”, levados por Rosangella Leote. Nós, com “deficiências mapeadas” ou não (outro crédito a Basbaum), nos encantamos com os caminhos expressivos não usuais de um espetáculo multimídia: bailarinos que, com o olhar, desenham gestos, imagens e sons. Fomos impelidos à empatia e estimulados a uma integração que transcende os sentidos.
Uma visual music e uma “escuta retiniana” juntaram-se no quarto dia de Ressonâncias. É a vez de Sérgio Basbaum colocar em campo um clandestino, ou melhor, um ilustre desconhecido, um pioneiro da arte dos sons e luzes eletrônicas: Ron Pellegrino. Somos instigados, mais uma vez nos rastros de Merleu-Ponty, a entender a percepção como encontro que supera a dicotomia sujeito-objeto. O pioneirismo de Pellegrino, mais que um belo jogo de imagens e sons, é prenúncio de um novo regime perceptivo. A escuta retiniana, em seguida, é por mim evocada, não como uma tentativa ingênua de forjar um conceito, mas como afirmação de uma escuta além da escuta. Embora órgãos dos sentidos tenham vocações específicas, o organismo inteiro, com toda sua carga de passado e seus instrumentos, constrói, no encontro, suas formas perceptivas, sempre sinestéticas.
Este ciclo de debates, que batizamos Ressonâncias, se encerra com um exercício poético, o workshop Dos sons às imagens. Com preciosas contribuições de Jean-Yves Bosseur, conduzo esta oficina criativa. Após a apresentação de um breve histórico de trânsitos intersemióticos, somos colocados frente ao desafio de traduzirmos, nós mesmos, trechos musicais e efeitos sonoros, como a chuva e os relâmpagos ilustrados abaixo pelo nosso convidado especial.
Viva os vagalumes!
Alexandre Freitas

Chuva, J. -Y. Bosseur, 10/03/2018